DIOCESE MISSIONÁRIA NO BRASIL DA CATHOLIC CHARISMATIC CHURCH (OLD CATHOLC SUCCESSION) - CONNECTICUT -USA. ESCRITÓRIO DO ARCEBISPADO DA PROVÍNCIA DA AMÉRICA DO SUL.
quarta-feira, 21 de abril de 2010
PAULO E JESUS CRISTO!
O mundo cristão não seria o mesmo sem a mensagem que São Paulo
transmitiu ao Império Romano. Para conquistar fiéis, ele fez
concessões que desagradaram aos discípulos de Jesus – e ainda
despertam acirradas discussões entre pensadores e religiosos.
Afinal, Paulo espalhou ou deturpou a palavra de Cristo?
Estamos no ano 34 da era cristã. Passaram-se poucos anos desde a
crucificação de Jesus. Sua mensagem espalhou-se rapidamente por toda
a Palestina e seus discípulos eram implacavelmente perseguidos,
principalmente pelos judeus. Os seguidores de Jesus são acusados de
heresia e traição à Lei de Moisés. Em Jerusalém, um jovem judeu
chamado Saulo faz verdadeiras atrocidades com os cristãos. Persegue-
os furiosamente, invade suas casas e os manda para prisão. Informado
de que, a cada dia, cresce a comunidade cristã em Damasco, na Síria,
pede e obtém do Sinédrio, o Supremo Tribunal da comunidade judaica de
Jerusalém, cartas de recomendação aos rabinos daquela cidade,
autorizando-os a caçar os hereges cristãos. Acompanhado de alguns
homens, percorre a cavalo os cerca de 200 quilômetros até Damasco.
Depois de sete dias de viagem, sob um sol escaldante, consegue
finalmente avistar as muralhas da cidade. Mas, de repente, uma forte
luz vinda do céu incide sobre ele e assusta seu cavalo, que o joga no
chão. Naquele instante, o jovem judeu ouve uma voz que diz: "Saulo,
Saulo, por que me persegues?"
Atônito, ele indaga: "Quem és, Senhor?" A voz responde: "Jesus, a
quem tu persegues. Mas levanta-te, entra na cidade e te dirão o que
deves fazer".
O séquito de Saulo permanece mudo de espanto, sem entender de onde
vem aquela voz. Saulo, por sua vez, ergue-se do chão, mas não
consegue enxergar nada. Em Damasco, permanece três dias e três noites
em jejum, refletindo sobre o estranho acontecimento, até ser visitado
por Ananias, um discípulo de Cristo, que lhe diz: "Saulo, meu irmão,
o Senhor me enviou. O mesmo que te apareceu no caminho por onde
vinhas. É para que recuperes a vista e fiques repleto do Espírito
Santo". Nesse exato momento, duas escamas caem dos olhos de Saulo,
que volta a ver. Em seguida, ele é batizado. Convertido, Saulo de
Tarso tornou-se aquele que talvez tenha sido o mais importante
difusor da palavra de Jesus: São Paulo.
O episódio acima, narrado em detalhes no livro Atos dos Apóstolos, do
Novo Testamento, teria marcado radicalmente a vida de Paulo. Não é
possível provar que ele tenha de fato acontecido. Os textos bíblicos
são as únicas fontes disponíveis para se reconstituir a história do
santo – acreditar neles é uma questão de fé. Tenha ocorrido de forma
tão espetacular ou não, a conversão de Paulo mudou para sempre os
rumos da religião cristã. Para muitos teólogos, Paulo foi um
personagem fundamental nos primeiros anos do cristianismo. Seu
trabalho de evangelização foi, em grande parte, responsável pelo
caráter universal da doutrina cristã e sua mensagem, expressa em
cartas enviadas às comunidades que fundava, ainda hoje é considerada
o alicerce da jurisprudência, da moral e da filosofia modernas do
Ocidente. Enquanto a maioria dos apóstolos que conviveram com Jesus
restringiram sua pregação à Palestina, Paulo levou a palavra de
Cristo para lugares distantes, como a Grécia e Roma. Sua importância
na construção da Igreja primitiva é tão grande que muitos estudiosos
atribuem a ele o título de pai do cristianismo.
"Paulo desempenhou um papel maior na evangelização dos primeiros
cristãos", diz o biblista Jerome Murphy-O'Connor, professor da Escola
Bíblica e Arqueológica de Jerusalém e um dos maiores estudiosos do
santo. O historiador André Chevitarese, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em cristianismo e judaísmo
antigos, concorda: "O cristianismo, tal como existe hoje, deve muito
a Paulo. Se não fosse o apóstolo, ele provavelmente não teria passado
de mais uma seita judaica". Isso não quer dizer que o trabalho dos 12
apóstolos tenha sido irrelevante, mas eles pregaram numa região, a
Palestina, que viria a ser devastada pelos romanos entre os anos 66 e
70. "Sem dúvida, Paulo foi o apóstolo que teve maior repercussão com
o passar dos séculos", afirma o teólogo Pedro Lima Vasconcellos,
professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da
Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo. O termo
apóstolo, no sentido de evangelizador, é freqüentemente usado para se
referir a São Paulo. Não há evidências históricas, entretanto, de que
ele tenha conhecido Jesus Cristo.
A influência de Paulo é indiscutível. Mas, para uma corrente de
historiadores e teólogos, ele deturpou os ensinamentos de Jesus
Cristo – a ponto de a mensagem cristã que sobreviveu ao longo dos
séculos ter origem não em Cristo, mas em Paulo. Esses pensadores
julgam ser mais correto dizer que o que existe hoje é
um "paulinismo", não um cristianismo. "As cartas de São Paulo são uma
fraude nos ensinamentos de Cristo. São comentários pessoais à parte
da experiência pessoal de Cristo", afirmou o líder pacifista indiano
Mahatma Ghandi, em 1928. Opinião semelhante tem o prêmio Nobel da Paz
de 1952, o alemão Albert Schweitzer, que declarou: "Paulo nos mostra
com que completa indiferença a vida terrena de Jesus foi tomada".
As principais críticas da corrente antipaulina concentram-se em
pontos polêmicos das cartas do apóstolo. Nelas, entre outras coisas,
Paulo defende a obediência dos cristãos ao opressivo Império Romano,
bem como o pagamento de impostos, faz apologia da escravidão,
legitima a submissão feminina e esboça uma doutrina da salvação
distinta daquela que, segundo teólogos antipaulinos, teria sido
defendida por Jesus. "A mentira que foi Paulo tem durado tanto tempo
à base da violência. Sua conversão foi uma farsa", afirma Fernando
Travi, fundador e líder da Igreja Essênia Brasileira. Os essênios
eram uma das correntes do judaísmo há 2 mil anos, convertidos na
primeira hora ao cristianismo. "Ele criou uma religião híbrida. A
prova disso é o mundo que nos cerca. Um mundo cheio de guerra, de
sofrimentos e de desespero."
PAULO: JUDEU, GREGO E ROMANO
Para entender melhor o papel de São Paulo na origem e construção do
cristianismo é preciso voltar no tempo e acompanhar de perto sua
vida. O principal relato sobre ele está presente nos Atos dos
Apóstolos, livro escrito pelo evangelista Lucas, que foi também dos
maiores discípulos de Paulo. Seus relatos, no entanto, não são
considerados um retrato fiel dos acontecimentos. "Os Atos devem ter
sido escritos cerca de 15 a 20 anos após a morte de Paulo, quando ele
já poderia estar caindo no esquecimento. Lucas, então, expressa uma
visão romanceada do apóstolo, transformando-o em um herói ou, mais do
que isso, em um modelo de discípulo", afirma José Bortolini, padre da
Congregação Pia Sociedade de São Paulo, mestre em exegese bíblica e
autor do livro Introdução a Paulo e suas Cartas. Outra fonte de
informação sobre o apóstolo são as cartas (ou epístolas) escritas por
ele para as comunidades cristãs que tinha fundado.
Com base nessas duas fontes, sabemos que Paulo era um judeu detentor
de cidadania romana, criado em um ambiente culturalmente grego.
Ele nasceu em Tarso, na Ásia Menor, onde atualmente está a Turquia.
Era uma cidade grande, com mais de 200 mil habitantes, por onde
passava uma estrada que ligava a Europa à Ásia. Situada na província
romana da Cilícia, a Tarso de então era predominantemente grega – um
dos mais efervescentes centros de cultura do mundo helênico, chegando
a rivalizar com Atenas. Mas também era cosmopolita. Abrigava um porto
fluvial movimentado e se impunha como um importante pólo comercial.
Suas ruas estreitas viviam apinhadas de gente e suas casas abrigavam
povos de várias regiões: egípcios, bretões, gauleses, núbios e
sírios – além dos judeus (como a família de Paulo), que na época já
haviam se assentado em várias cidades do império.
A cidadania romana, citada nos escritos de Lucas, é um ponto
controverso da biografia de Paulo. Tê-la garantia alguns privilégios,
como o direito de participar das assembléias que decidiam questões
sobre a vida e a organização da cidade e a isenção do pagamento de
alguns impostos. Os cidadãos romanos também não podiam ser
crucificados, caso fossem condenados à morte. Segundo Lucas, Paulo
herdara a cidadania do pai ou do avô, que a teriam obtido por mérito
ou comprado por uma volumosa quantia. Mas o apóstolo nunca se
declarou romano em suas cartas. Para o biblista Murphy-O'Connor, o
silêncio é compreensível: "Não havia razão para Paulo mencionar sua
posição social em cartas a comunidades que ele desejava convencer de
que `nossa pátria está nos céus' ", escreve o teólogo no livro Paulo:
Biografia Crítica. Cidadão romano ou não, Paulo provavelmente fazia
parte de uma elite – seu pai, especula-se, era dono de uma oficina
onde se fabricavam tendas. Ele mesmo, aliás, dominava esse ofício.
O ano exato do nascimento de Paulo, bem como a data dos principais
acontecimentos de sua vida, são, ainda hoje, motivo de controvérsia.
Muitos historiadores supõem que ele tenha nascido por volta do ano 5
da era cristã. Era, portanto, alguns anos mais novo do que Jesus –
cujo nascimento, segundo descobertas históricas recentes, é datado
entre 6 e 4 a.C. Paulo foi educado na casa de seus pais, na sinagoga
e na escola ligada a ela. Aos 15 anos, deixou Tarso e mudou-se para
Jerusalém, onde matriculou-se na escola de Gamaliel, um dos sábios
mais respeitados do mundo judaico. Paulo teve uma formação acadêmica
de primeira – nos parâmetros atuais, algo equivalente a um doutorado
em Harvard.
Nas tempos de estudante, Paulo presenciou uma situação que estaria na
origem de sua "cristofobia". Um dos alunos mais brilhantes era um
jovem chamado Estêvão, um nazareno – nome dado aos que seguiam os
ensinamentos de Cristo. Em uma discussão, Estêvão foi fiel a sua fé e
declarou que Jesus era o messias: tal afirmação provocou a ira dos
colegas, inclusive de Paulo. Pela blasfêmia, Estêvão foi levado
diante do Sinédrio e condenado à morte por apedrejamento. Conforme o
costume da época, as pessoas que iam apedrejar o condenado deveriam
tirar suas próprias vestes e colocá-las aos pés de uma testemunha. No
martírio de Estevão, a testemunha era Paulo.
A partir desse episódio, Paulo, que já era um intransigente defensor
da lei e dos costumes judaicos, viu nos seguidores de Cristo uma
ameaça real à sua própria religião. Foi então que passou a cultivar
um ódio crescente pelos nazarenos e tornou-se um implacável
perseguidor dos membros dessa seita. Depois de muito aterrorizar os
cristãos de Jerusalém, decidiu agir na Síria. Foi quando aconteceu
sua conversão no caminho de Damasco.
O MISSIONÁRIO VIAJANTE
Paulo tinha cerca de 28 anos quando ocorreu seu encontro místico com
Jesus. Depois de ter se tornado um fervoroso discípulo do Nazareno,
viveu algum tempo na comunidade cristã damasquina, até ser expulso
pelos judeus. Refugiou-se por cerca de dois anos na Arábia –
território dominado pela tribo dos nabateus –, que se estendia do mar
Vermelho até Damasco, margeando a Palestina pelo leste. Nesse
período, estudou e refletiu sobre os ensinamentos de Cristo. Por
volta do ano 37, retornou a Damasco, onde fez suas primeiras
pregações. Mais uma vez, provocou a fúria da comunidade judaica e
teve de deixar a cidade numa fuga cinematográfica. Como os portões da
cidade estavam vigiados, ele escondeu-se num cesto que foi descido
pelas muralhas. Era noite e Paulo andou por cinco horas até sentir-se
a salvo. Após seis dias de caminhada, chegou a Jerusalém. Havia três
anos que ele tinha deixado a cidade.
Os cristãos de Jerusalém o receberam com desconfiança. Afinal de
contas, ainda estavam vivas na memória as atrocidades cometidas por
Paulo. Coube a Barnabé, um ex-colega da escola de Gamaliel convertido
ao cristianismo, apresentá-lo aos apóstolos. Foi nessa ocasião que
aconteceu o primeiro encontro com Pedro, um dos discípulos mais
próximos de Jesus. Durante 15 dias, eles permaneceram juntos. Mas não
tardou para o Sinédrio saber que Paulo, agora cristianizado, havia
voltado. Diante do perigo que corria em Jerusalém, Paulo mais uma vez
teve de fugir: o destino foi Tarso, sua cidade natal, onde permaneceu
por sete ou oito anos. Nada se sabe sobre sua vida nesse período.
Por volta de 45 d.C., convidado por Barnabé, Paulo mudou-se para
Antióquia da Síria, onde a igreja dos nazarenos crescia rapidamente.
Depois de Roma e Alexandria, no Egito, Antióquia era a terceira maior
cidade do Império Romano. "Diferentemente do que acontecia em
Jerusalém, onde os seguidores de Jesus ainda estavam ligados à lei e
aos rituais judaicos, em Antióquia se respirava ar novo – lá, boa
parte dos neocristãos vinha do paganismo", afirma padre Bortolini. O
termo cristão, como designação dos discípulos de Jesus, surgiu pela
primeira vez nessa cidade. Esse fato reveste-se de importância porque
pela primeira vez os seguidores de Jesus não são mais vistos como
judeus dissidentes.
Foi de lá que Paulo – descrito em textos apócrifos como "um homem
pequeno com uma grande cabeça careca" – partiu para sua primeira
jornada missionária. Nessa ocasião, ele tinha cerca de 40 anos.
Durante 12 anos, de 46 a 58, Paulo empreendeu quatro viagens
evangelizadoras, visitando boa parte do Império Romano, que se
estendia da Grã-Bretanha ao Oriente Médio, passando pelo norte da
África. Eram jornadas árduas, feitas a pé ou de navio, sempre na
companhia de outros discípulos. Quando viajavam por terra, seguiam
pelas estradas romanas, percorrendo 30 quilômetros por dia. O perigo
os espreitava, como escreve o apóstolo em uma de suas epístolas aos
coríntios: "Sofri perigos nos rios, perigo por parte de ladrões,
perigo por parte dos meus irmãos de raça, perigo por parte dos
pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar,
perigos por parte dos falsos irmãos".
A estratégia pastoral de Paulo era bem definida. Pregava nas
sinagogas, em casas e praças de grandes centros urbanos, que
funcionavam como pólos irradiadores da mensagem. Ao sair, designava
um líder responsável pelo rebanho. A primeira viagem, entre 46 e 48,
foi feita em companhia de Barnabé e de Marcos, outro discípulo
cristão, o mesmo a quem é atribuído um dos quatro evangelhos. Foram à
ilha de Chipre e percorreram a Ásia Menor (veja mapa) antes de
retornar a Antióquia. É a partir dessa primeira expedição que Paulo
deixa de ser chamado pelo nome judeu Saulo – a mudança é narrada por
Lucas no Ato dos Apóstolos, 13:9.
Antes de partir para a segunda viagem, Paulo foi intimado a
participar do Concílio Apostólico de Jerusalém, em 49, que reuniu a
nata do cristianismo primitivo. Foi um encontro tenso, onde, pela
primeira vez, vieram à tona as divergências entre Paulo e o grupo de
judeus-cristãos, tendo à frente Pedro e Tiago Menor, líder da
comunidade cristã em Jerusalém. A assembléia discutiu assuntos
delicados, como a obrigatoriedade da circuncisão para os pagãos
convertidos ao cristianismo. A questão era importante e polêmica,
pois a circuncisão era encarada como a porta de entrada do judaísmo.
Ao aceitá-la, os convertidos assumiam que adotariam integralmente a
cultura judaica. Paulo era contra, pois acreditava que o sacramento
do batismo era suficiente para a conversão. Em suas pregações, ele
encontrava forte resistência dos pagãos, que não entendiam por que
deveriam se submeter ao ritual de iniciação judaico para tornar-se
cristãos. Depois de acirradas discussões, Paulo saiu vitorioso. Foi,
em parte, por causa dessa liberalização que Paulo arrebanhou um
número tão grande de fiéis. Ao final do encontro, Paulo recebeu a
alcunha de "apóstolo dos gentios", em contraposição a Pedro, chamado
de "apóstolo dos judeus".
A segunda jornada missionária começou depois do Concílio de Jerusalém
e estendeu-se até 52. O ponto alto dessa jornada foi a pregação na
Europa. Pela primeira vez, a palavra de Deus deixava a Ásia e
espalhava-se por um novo continente. Paulo visitou várias cidades
gregas, fundando importantes núcleos cristãos. "Foi por causa dessa
passagem [da Ásia para a Europa] que o cristianismo sobreviveu e se
desenvolveu", argumenta padre Bortolini. Foi também nessa jornada que
Paulo escreveu, em 51, a Epístola aos Tessalonicenses, o mais antigo
documento do Novo Testamento. Nas cartas paulinas, o trabalho braçal
ficava por conta de escribas: Paulo as ditava e as assinava de
próprio punho para autenticar o documento. A maioria delas foi
escrita em grego, mesma língua usada por Paulo em suas pregações.
Esse era o idioma universal, comparável ao que hoje é o inglês. O
apóstolo também se expressava em hebraico, língua da elite judaica,
na qual foi escrita a maior parte dos livros do Antigo Testamento, e
em aramaico, a língua materna de Jesus e corrente na camadas
populares da Palestina. Mesmo sendo poliglota, o apóstolo encontrava
dificuldade para se comunicar em suas peregrinações, diante da
multiplicidade de línguas e dialetos daquela época. Em muitas
ocasiões, recorria a intérpretes.
Em uma de suas cartas, a Epístola aos Gálatas, percebe-se a tensão
existente entre Paulo e os 12 apóstolos que conviveram com Cristo.
Nela, Paulo afirma que "enfrentou abertamente [Pedro, em Antióquia],
porque ele se tornara digno de censura". O motivo da briga foram dois
preceitos alimentares judaicos. Pedro defendia que os neocristãos não
poderiam sentar-se à mesa com gentios – seus iguais até pouco antes.
Deveriam também rejeitar sobras de carnes de animais sacrificados aos
deuses pagãos. Paulo discordava e teve uma acirrada discussão com
Pedro.
Na terceira viagem missionária, de 53 a 57, Paulo deteve-se por três
anos em Éfeso, a capital da Ásia Menor. Lá, presume-se, esteve preso
por alguns meses – ao longo de sua vida, o apóstolo deve ter
permanecido quatro anos atrás das grades. Durante essa jornada,
coletou dinheiro para os cristãos pobres de Jerusalém. No retorno à
Terra Santa, não se sabe como foi recebido por Tiago, chefe da igreja
de Jerusalém. Nem Lucas nem Paulo deixam claro se ele aceitou o
dinheiro "impuro" da coleta. Sabe-se apenas que foi na volta a
Jerusalém que Paulo foi preso, na praça do Templo, sob a acusação de
introduzir gentios na sinagoga. Os judeus estavam furiosos com a
presença do pregador na cidade e, temendo por sua segurança, o
tribuno romano Cláudio Lísias o encarcerou de novo. Dessa vez, foi em
Cesaréia, perto de Jerusalém, onde amargou dois anos de reclusão. Eis
que ele pediu para ser julgado em Roma pelo imperador – direito
conferido aos cidadãos romanos. No outono de 60, o apóstolo foi
enviado à capital imperial, uma cidade com quase 1 milhão de
moradores. Paulo foi saudado pela comunidade cristã e permaneceu em
prisão domiciliar, vigiada por soldados. Encontrava-se com as
pessoas, mas não podia sair de casa. Aproveitou esse período para
transmitir a palavra de Deus. Depois de dois anos de cativeiro, seu
processo foi encerrado sem uma sentença condenatória.
Pouco se sabe a respeito dos anos seguintes da vida de Paulo, já que
o Novo Testamento não dá indicações do que aconteceu com ele após a
prisão em Roma. Mas, segundo a tradição, acredita-se que tenha
empreendido uma viagem à Espanha ou visitado as igrejas cristãs que
fundara na Grécia e Ásia Menor e retornado a Roma na primavera de 67.
O império era chefiado por Nero, que anos antes havia ateado fogo na
cidade e jogara a culpa pelo desastre nos seguidores de Jesus. Por
isso, os cristãos eram duramente perseguidos e tinham que se reunir
em catacumbas para escapar da fúria insana do imperador. Quando
capturados, viravam presa para as feras do Coliseu. Ao deparar com
essa situação, Paulo empenhou-se em reconstruir a comunidade. Não
tardou e foi preso, acusado de chefiar a seita dos nazarenos.
Na prisão, escreveu sua derradeira carta ao discípulo Timóteo, um dos
líderes da igreja de Éfeso. Ele sabia que não escaparia da morte. No
outono daquele ano, foi levado pelos guardas para fora da cidade e
degolado. No local de seu martírio foi construída a praça Tre Fontane
e perto dali, junto ao seu túmulo, erguida a basílica de São Paulo
Extramuros. Diz a lenda que, no momento de sua execução, uma cega de
nome Petronila aproximou-se do apóstolo e lhe ofereceu um véu para
cobrir-lhe o rosto. Paulo teria devolvido o véu à mulher e, quando
ela o colocou sobre os seus próprios olhos, recobrou milagrosamente a
visão. A conversão de Paulo é comemorada no dia 25 de janeiro. Foi
uma escolha aleatória, já que não se sabe o dia exato de sua
conversão. Como a cidade de São Paulo foi fundada nesse dia, acabou
recebendo o nome do santo. A festa de São Paulo é celebrada em 29 de
junho, junto com a de São Pedro. Foi uma forma encontrada pela Igreja
para homenagear, de uma só vez, os dois líderes máximos do
cristianismo primitivo.
CRISTIANISMO OU PAULINISMO?
As 13 cartas escritas por São Paulo sintetizam o pensamento do
apóstolo, que viria a moldar a doutrina cristã. Elas foram redigidas
entre os anos 50 e 60 e são os mais antigos documentos da história do
cristianismo – os quatro evangelhos canônicos de Mateus, Marcos,
Lucas e João ficaram prontos apenas entre os anos 70 e 100. A
influência do apóstolo na consolidação da doutrina cristã pode ser
medida pelo fato de suas epístolas representarem quase metade dos 27
livros do Novo Testamento. Com elas, dizem os estudiosos, Paulo não
tinha a pretensão de formular tratados teológicos. "Elas são
resultado de experiências vivenciadas pelas comunidades paulinas",
afirma o André Chevitarese. Uma corrente de biblistas defende que nem
todas foram de fato escritas por Paulo – algumas teriam sido
redigidas por seus discípulos após a morte do apóstolo. "Elas são
muito diferentes em estilo literário e conteúdo", afirma Pedro
Vasconcellos, da PUC. Para a Igreja, no entanto, todas as cartas são
de autoria de Paulo.
Se são uma rica fonte de difusão da doutrina cristã, esses documentos
são também a principal causa da controvérsia sobre o apóstolo. Na
opinião de Fernando Travi, líder da Igreja Essênia Brasileira, a
descoberta, no século passado, de escrituras datadas dos primeiros
anos do cristianismo, como os Manuscritos do Mar Morto, o Evangelho
dos 12 Santos (ou da Vida Perfeita) e o Evangelho Essênio da Paz,
indica que boa parte do conteúdo das cartas de Paulo está em oposição
aos ensinamentos de Jesus (leia quadro na pág. 64). "Existem sérios
indícios de que, como num plano de sabotagem, Paulo divulgou uma
doutrina falsificada em nome do messias", diz ele. Opinião parecida
tem o pastor batista americano Edgar Jones, autor do livro Paulo: O
Estranho. "Jesus de Nazaré deve ser cuidadosamente diferenciado do
Jesus de Paulo. Gerações e séculos passaram até que a corrente
paulina com seu forte apelo em favor do Império Romano ganhasse
ascendência sobre a corrente apostólica", diz o teólogo. O fato é
que, até o século 4, o cristianismo dividia-se em duas correntes
distintas, uma liderada pelos discípulos de Paulo e outra pelos
seguidores dos apóstolos de Cristo. Quando o cristianismo tornou-se a
religião oficial do Império Romano, a corrente paulina saiu-se
vitoriosa. "As idéias de Paulo, afáveis aos dominadores, foram
definitivamente incorporadas à doutrina cristã", diz Fernando.
Para os críticos de Paulo, um exemplo dessa "afabilidade" está
presente na Epístola aos Romanos. "Cada um se submeta às autoridades
constituídas, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que
existem foram estabelecidas por Deus. Aquele que se revolta contra a
autoridade opõe-se à ordem estabelecida por Deus", escreve Paulo. E
continua: "É também por isso que pagais impostos, pois os que
governam são servidores de Deus". "Essa passagem revela que ele
estava a serviço das autoridades romanas. Jesus, por sua vez, se
insurgia contra as leis de Estado", afirma Fernando. Para os
defensores de Paulo, esse texto foi tirado de seu contexto e tornou-
se, ao longo dos séculos, uma teoria metafísica do Estado. "O texto
só tinha valor para quem vivia em Roma, onde qualquer movimento de
desobediência seria esmagado", diz o teólogo Pedro Vasconcellos.
Para outros teóricos, deve-se diferenciar a doutrina religiosa
paulina das opinões do apóstolo sobre a ordem social. "A teoria de
Igreja de Paulo é fundamentada no antiautoritarismo, o que
influenciou muito a doutrina protestante. Na sua igreja, a idéia de
liberdade é plena, mas quando ela é extrapolada para o meio social,
surge o seu conservadorismo", diz o pastor luterano Milton Schwantes,
professor da Universidade Metodista de São Paulo e doutor em
literatura bíblica. O sacerdote franciscano Jacir de Freitas Faria,
mestre em exegese bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico (PIB), de
Roma, comunga da mesma opinião: "Paulo é uma figura basilar do
cristianismo, mas não podemos deixar de ser críticos a ele nessa
relação com o Império Romano".
Outro ponto controverso das epístolas paulinas refere-se à defesa que
seu autor faz da escravidão. Na Epístola aos Efésios, Paulo é
taxativo: "Servos, odedecei, com temor e tremor, em simplicidade de
coração, a vossos senhores nesta vida, como a Cristo". Para os
antipaulinos, o apoio dado pelo apóstolo à escravidão tem sido usado
pela Igreja ao longo dos séculos para legitimar situações espúrias de
dominação e diverge radicalmente da palavra de Cristo, que pregava um
mundo livre de opressões. A corrente pró-paulina argumenta, mais uma
vez, que é preciso analisar o contexto histórico para entender seus
escritos: "Sua falha em condenar a escravidão torna-se compreensível
quando sabemos que cerca de 60% da população de qualquer cidade
grande daquele tempo era formada por escravos. Toda economia estava
estruturada em torno desse fato e, por isso, uma atitude crítica
seria incompreensível", afirma o biblicista Jerome Murphy-O'Connor,
de Jerusalém.
O apóstolo dos pagãos também é bombardeado por suas posições a
respeito das mulheres. Na carta endereçada à comunidade cristã de
Colosso, ele escreve: "Quanto às mulheres, que elas tenham roupas
decentes, se enfeitem com pudor e modéstia. (...) Durante a
instrução, a mulher conserve o silêncio, com toda submissão. Não
permito que a mulher ensine, ou domine o homem". Suas palavras atraem
até hoje a ira das feministas, que o acusam de misoginia. Seus
defensores, por outro lado, argumentam que , ao contrário, ele
incentivava a participação das mulheres na vida social. "Paulo
acreditou firmemente na igualdade entre os sexos e, em suas igrejas,
as mulheres exerciam todos os ministérios. Alguns exegetas munidos de
preconceito interpretaram erroneamente os textos paulinos", diz
Murphy-O'Connor.
Outro petardo disparado pelos críticos diz respeito à doutrina da
salvação defendida por Paulo. "Paulo diz que os pecados são perdoados
se a pessoa acreditar que Jesus morreu na cruz por ela. É a doutrina
da salvação em que o herói derrama seu sangue e todos são perdoados
por causa dele. Enquanto isso, Jesus diz: `Eu sou o caminho, a
verdade e a vida'. Para Jesus, a salvação será dada àqueles que
seguirem seus ensinamentos", afirma Fernando Travi. Os defensores de
Paulo discordam e afirmam que o apóstolo foi mais uma vez mal
interpretado.
"Creio que houve uma transformação conservadora da mensagem de Paulo.
Temos que libertá-lo das idéias errôneas a seu respeito perpetuadas
ao longo dos séculos", diz Pedro Vasconcellos, da PUC.
Conservador ou radical, fiel ou não a Jesus Cristo, São Paulo foi,
sem dúvida, um dos poucos evangelizadores – se não o único – a fazer
o cristianismo passar da cultura semita à greco-romana,
possibilitando que ela se tornasse uma religião mundial. "Ele criou
condições para que povos não-judaicos, ao receberem a mensagem de
Deus, fossem inseridos de forma igualitária na comunidade cristã",
afirma o André Chevitarese, da UFRJ. Sem Paulo, considerado por
muitos o pai do cristianismo, a história da humanidade teria tomado
outro rumo. A Idade Média, marcada pela força da Igreja Católica,
ocorreria de outra forma e o mundo em que vivemos seria totalmente
diferente. Nada seria como é.
Pregação controversa
As supostas contradições entre os ensinamentos de Cristo e de Paulo
Sobre a obediência ao Estado
O que Cristo teria dito: "Cuidarei e protegerei o fraco e aqueles que
são oprimidos e todas as criaturas que sofrem injustiça." Evangelho
dos 12 Santos, Ensinamento 46:18*
O que Paulo disse: "Cada um se submeta às autoridades constituídas,
pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram
estabelecidas por Ele." Epístola aos Romanos, 13:1-3
Sobre a escravidão
O que Cristo teria dito: "Protegereis o fraco (...) Deus mandou-me
ajudar os quebrantados, para proclamar a liberdade dos cativos."
Evangelho dos 12 Santos, Ensinamento 13:2
O que Paulo disse: "Servos, odedecei, com temor e tremor, em
simplicidade de coração, a vossos senhores nesta vida, como a Cristo;
servindo-os, não quando vigiados, para agradar a homens, mas como
servos de Cristo, que põem a alma em atender à vontade de Deus."
Epístola aos Efésios, 6:5-6
Sobre a submissão feminina
O que Cristo teria dito: "Em Deus, o masculino não é sem o feminino,
nem o feminino sem o masculino (...) Deus criou a espécie humana na
divina imagem macho e fêmea (...) Assim, devem os nomes do Pai e da
Mãe ser igualmente reverenciados." Evangelho dos 12 Santos,
Ensinamento 52:10
O que Paulo disse: "Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo.
As mulheres o sejam a seus maridos, como ao Senhor, porque o homem é
cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja e o salvador do
Corpo." Epístola aos Efésios, 5:21-23
Sobre o doutrina da salvação
O que Cristo teria dito: "Mas eis que um maior que Moisés está aqui,
e Ele vos dará a mais alta Lei, ainda a perfeita Lei, e esta Lei
obedecerás. (...) Aqueles que acreditam e obedecem salvarão suas
almas, e aqueles que não obedecem as perderão. Pois digo a vós, a não
ser que vossa justiça sobrepuje a dos escribas e fariseus, não
entrareis no Reino do Céu." Evangelho dos 12 Santos, Ensinamento 25:10
O que Paulo disse: "Se com tua boca confessares Jesus como Senhor, e
em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás
salvo. "Epístola aos Romanos, 10:9
*O Evangelho dos 12 Santos é um texto apócrifo do início do
cristianismo, supostamente escrito pelos 12 apóstolos. Ele não é
reconhecido pela Igreja.
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